O agronegócio e as ciências sociais

Por Marconi Severo. O agronegócio talvez seja hoje um dos objetos mais desafiadores para as ciências sociais brasileiras. Fato social de múltiplas faces, e que não se restringe apenas ao meio rural, o agronegócio exerce uma influência peculiar, embora não exclusiva, sobre o campo científico: impõe direta e indiretamente agendas de pesquisa (desmatamento ilegal e avanço de fronteiras agrícolas, desindustrialização e exportação de commodities, demarcação de terras e conflitos agrários, etc.) ao mesmo tempo em que influencia na adoção de determinadas abordagens teórico-conceituais (agronômicas, econômicas, sociológicas) e, por conseguinte, nas tomadas de posição que elas acarretam ou refletem.2 No que se refere às ciências sociais, o agronegócio ultrapassa a condição de mero objeto, e chega mesmo a instigar algumas considerações de natureza epistemológica.

Violência política de gênero como estratégia de marketing eleitoral 

Por Wéllia Pimentel Santos. Historicamente as mulheres sempre travaram uma longa luta para terem direitos civis e políticos. No final do século XIX e ao longo do século XX, as mulheres foram obtendo a cidadania em diferentes partes do mundo, mas pensava-se que, só porque podiam votar e ter direitos políticos, isso não implicaria que as mulheres ocupassem espaços de tomada de decisões. Foi por meio da luta dos movimentos feministas, da reivindicação do direito ao voto e do ingresso da mulher no mercado de trabalho que modificou aos poucos sua posição na sociedade.

A entrada da União Africana no G20 e seu significado para o continente africano

Por Anselmo Otavio e Natalia Fingermann. Em 2015, a União Africana (UA) lançou a Agenda 2063, intitulada “A África que queremos”, uma das principais iniciativas do Renascimento Africano que, dentre as diversas características, duas podem ser destacadas: suas aspirações, que podem ser de curto, médio ou longo prazo, e os meios para sua implementação. Referente às aspirações, sete delas são consideradas como fundamentais para a transformação do continente: identidade e renascimento africano; a luta permanente contra o colonialismo e pelo direito à autodeterminação; integração continental; desenvolvimento e transformação social e econômica; paz e segurança; governança democrática; a determinação do futuro do continente; e o fortalecimento do espaço da África no mundo. Acerca dos meios, para além da vontade política dos atores envolvidos em garantir a continuidade da iniciativa, a implementação da Agenda 2063 possui sua viabilização e financiamento atrelado a parceiros externos (AFRICAN UNION, 2015; AUC, 2015).

Governamentalidade e consenso na construção da hegemonia neoliberal: aproximações teóricas

Por Kleiton Wagner Alves da Silva Nogueira e Ronaldo Laurentino de Sales Júnior. De que forma podemos pensar o neoliberalismo para além do senso comum que o vincula ao economicismo ou a uma ideia de diminuição do tamanho do Estado na promoção de políticas sociais? Numa aproximação inicial podemos de fato encontrar elementos da economia como centrais. Contudo, reduzir o neoliberalismo apenas a esta instância seria perder de vista a totalidade e a complexidade especificamente sociais do neoliberalismo: mesmo que num nível aparente promova austericídio e penalize a vida das classes trabalhadoras e grupos subalternos, como essa doutrina consegue manter a hegemonia diante dos seus efeitos sobre os grupos subalternos?

Da Incomunicação à Comunicação Decolonial: Mulheres Indígenas contra Invisibilidades e Estereótipos

Por Lorena Esteves e Danila Cal. As narrativas que circulam sobre indígenas, em geral, reforçam estereótipos, generalizam e silenciam as singularidades dessas sociedades (Neves; Corrêa; Tocantins, 2013). Também recaem sobre os/as indígenas o imaginário de “bons selvagens, ingênuos, incapazes de se cuidar”. Mais especificamente, em relação à mulher indígena, Ivânia Neves e Arcângela Sena (2020) evidenciam que os discursos que circulam reforçam o imaginário colonial da sensualidade, o estereótipo de que elas são desavergonhadas, despudoradas e que precisam de alguma forma ser contidas. Apesar da resistência dessas mulheres a uma identidade generalizante, os discursos, construídos historicamente, dão conta de um imaginário colonial que revela “uma mulher nua, selvagem, sensual, com atribuições que muitas vezes ultrapassam a condição humana” (Tocantins; Neves, 2016, p. 66).

Análise de conjuntura: superações desencadeadas a partir do encontro entre a práxis científica e a práxis política

Por João Henrique Araujo Virgens e Carmen Fontes Teixeira. Uma abordagem que costuma ser mais conhecida por pessoas com atuação política e/ou que frequentam encontros promovidos por movimentos sociais, sindicatos e partidos é a análise conjuntural. Se esse é o seu caso, é provável que você tenha participado de algumas ‘mesas de abertura’ abordando esse tema. É possível também que você já tenha se perguntado ou escutado a seguinte pergunta: “mas pra quê precisamos ter esse debate?”

As juventudes em ação no cenário multilateral: o Grupo de Engajamento Y20

Giulia Ribeiro Barão. A participação social nos fóruns multilaterais é uma tendência nas relações internacionais desde os anos 1990, período em que se intensificou o interesse da cidadania em ser escutada nos processos de tomada de decisão além do Estado. (Loureiro, 2023). Há um descontentamento com a falta de transparência e democratização desses espaços, que são distantes e inacessíveis à participação popular (Bringel; Muñoz, 2010), mas capazes de gerar compromissos e diretrizes que afetam diretamente a vida das pessoas nos territórios nacionais e locais.

60 anos de 1964 e o fomento a uma política de esquecimento

Por Caroline Silveira Bauer. Este texto apresenta uma breve reflexão sobre a negativa do governo Lula III em rememorar os 60 anos do golpe civil-militar de 1964, que implantou uma ditadura e um regime de terrorismo de Estado. Esta atitude, que surpreendeu a muitas pessoas depois da gestão presidencial anterior legitimar discursos negacionistas sobre o período, pode ser considerada um fomento a uma política de esquecimento. A reflexão se divide em duas partes: em um primeiro momento, farei algumas considerações sobre as potencialidades de atos de rememoração como o sexagésimo aniversário do golpe; depois, apresentarei a argumentação da existência de uma política de esquecimento, alimentada pela lógica da conciliação, examinando a decisão tomada pelo governo federal.

Cuidado, gênero e pobreza: os desafios das mulheres ao longo do ciclo de vida familiar

Por Lina Penati Ferreira e Silvana Mariano. Todo ser humano necessita de cuidado, embora o nível de dependência varie no decorrer da vida. Sabemos que bebês e crianças exigem atenção privilegiada, situação que tende a se repetir na velhice, embora as demandas sejam diferentes. Pessoas com deficiência também podem requisitar alguma atenção especial ao longo da vida. Mesmo em situações que fogem a esses exemplos, o cuidado com o outro é parte da produção do cotidiano: fazer comida, limpar a casa, contar uma história ou mesmo ceder tempo e atenção a alguém, todos esses são exemplos de cuidado. Entretanto, quando olhamos para a outra ponta da relação, não encontramos essa mesma universalidade. São as mulheres, em grande maioria, as responsáveis pelo trabalho de cuidado. Mais do que isso, quando falamos de Brasil, são mulheres negras e com idade entre 25 e 49 anos as principais responsáveis pelo trabalho doméstico e de cuidado (IBGE, 2020). Nesse sentido, o cuidado se torna um tema produtivo para o desvelamento sociológico de desigualdades de gênero, raça, classe e geração.

O lamento do general: da incriminação à reabilitação dos chamados presos políticos na ditadura brasileira

Por Lucas Pedretti. Em julho de 1970, no auge repressivo da ditadura militar brasileira, o general Antônio Carlos Murici deu uma entrevista para o Jornal do Brasil, com o objetivo de tornar públicos os resultados de um “estudo” que os militares haviam feito entre os militantes de oposição que estavam presos. As palavras de Murici, à época chefe do Estado-Maior do Exército, nos oferecem a rara oportunidade de observar como o regime operava na construção de estigmas e categorias acusatórias contra seus adversários.