Pedro Henrique Ramos Prado Vasques[1]
No livro “O governo ambiental no Brasil: uma análise a partir dos processos de avaliação de impacto ambiental” (Unicamp, 2023), analiso a emergência de uma racionalidade de gestão ambiental no Brasil por meio de um instrumento específico, qual seja, a avaliação de impacto. Tomando-a por uma ferramenta de operacionalização da política pública, esta é observada no âmbito dos processos administrativos de licenciamento de empreendimentos e atividades de significativo impacto a partir da segunda metade do século XX por meio dos esquemas teóricos oferecidos por Foucault, fundamentalmente no que diz respeito à governamentalidade. Sob essa perspectiva, tanto o meio ambiente quanto a avaliação de impacto são estudados tendo em vista o quadro da racionalidade governamental neoliberal.
O estudo tem por objetivo geral identificar e explicitar as características da racionalidade da gestão ambiental em função das condições em que é praticada no território brasileiro, evidenciando também as peculiaridades relacionadas à subjetivação dos indivíduos em sujeitos responsáveis ambientalmente, bem como as formas de resistência que mobilizam e ressignificam o discurso ambiental. Além disso, se propõe a conhecer as peculiaridades da racionalidade que organiza as maneiras de governar o meio ambiente no Brasil; distinguir as práticas observadas em relação ao que se verifica nos Estados Unidos; analisar as formas de subjetivação dos atores ambientalmente responsáveis; identificar as características próprias e sistemáticas do governo ambiental no Brasil, considerando a constituição de saberes e processos específicos, a emergência de sujeitos que moldam e são objeto dessas práticas, e as implicações desse governo com a racionalidade governamental neoliberal; por fim, compreender de que modo essas práticas são recorrentemente identificadas no âmbito de relações entre os objetos e sujeitos do governo ambiental (e.g., dano e impacto; poluidor e poluição).
Convido a todas/os à leitura do livro, compartilhando a sua apresentação, escrita por Andrei Koerner, Professor Associado do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/Unicamp).
***
A crítica política do direito e o governo ambiental no Brasil, por Andrei Koerner
Pedro Henrique Vasques apresenta neste livro uma análise histórico-crítica do processo de avaliação de impacto ambiental como parte do dispositivo ambiental, que consiste em um conjunto de técnicas de governo das relações entre seres humanos e seu entorno, integrado a partir do conceito de sustentabilidade. A pesquisa trata da criação e mudanças de um procedimento jurídico, com atenção aos conceitos, formas e arranjos institucionais, interpretando-os na singularidade da formação histórica brasileira. O livro traz para o leitor uma análise baseada em informações substantivas e bem ordenadas sobre o tema.
Mas a pesquisa teve alcance muito mais amplo, pois abordou o seu objeto do ponto de vista das mudanças dos padrões dominantes no plano internacional, comparando diferentes situações e trajetórias. O leitor encontrará uma análise histórica e comparada do dispositivo ambiental, inserido nas transformações conceituais, técnicas, institucionais e políticas do ambientalismo ao longo do século XX, dos Estados Unidos às instituições multilaterais e à escala global, com destaque às suas peripécias no Brasil. O livro discute, pois, a própria maneira pela qual as relações entre seres humanos e seu entorno são problematizadas em função da sustentabilidade. É uma forma de pensar que produz efeitos de objetivação, com suas realidades, problemas e soluções, bem como a conformação de sujeitos ambientalmente responsáveis, nas figuras do militante, do cientista, do técnico, dos cidadãos…
Este livro é o resultado de um trabalho intelectual movido pelo inconformismo diante dos bloqueios do presente e dos impasses que se nos apresentam. Ele é marcado pela impaciência diante de acomodações que repetem diagnósticos e modelos institucionais sem qualquer avaliação de seus efeitos reais, nem a consideração dos interesses em que efetivamente se apoiam, mostrando até mesmo indiferença em relação a eles, dada sua falta de compromisso com a concretização dos seus objetivos manifestos.
O autor procura um outro entendimento dos problemas ambientais e abre espaço de análise e reflexão para além da contraposição entre previsões catastrofistas do ambientalismo, baseadas no discurso científico, e o ceticismo manifesto ou implícito, militante ou indiferente dos que se assumem como negacionistas, anti-intelectualistas ou neofundamentalistas religiosos. O livro é, portanto, uma contribuição e um convite para se pensar de outra maneira a questão ambiental, de indagar e agir sobre as questões políticas e existenciais que nos são impostas pelo tecno-capitalismo neoliberal das sociedades atuais.
O livro é modelar enquanto crítica política ao direito na atualidade. Até os anos oitenta, a crítica assumiu a tarefa de evidenciar, de uma perspectiva histórico-estrutural, as relações entre as formas jurídicas liberais e as relações de exploração da sociedade capitalista. A partir de então, pesquisas trabalharam os percursos de diferentes países e as variedades dos processos políticos, arranjos institucionais e conceitos jurídicos que deles resultaram. O alcance da crítica foi potencializado por trabalhos que a projetaram para novos direitos e outras experiências individuais e coletivas, em diversas condições sociais.
Na situação corrente, a crítica política do direito coloca problemas mais amplos e urgentes. O neoliberalismo explorou todas as formas de vida e recursos, inclusive os modelos de pensar os problemas emergentes – como o ambiental – e a nossa imaginação política sobre o futuro. A ausência de alternativas impõe-se como uma evidência desesperadora, diante da qual a imaginação débil acaba por agarrar-se às saídas dadas. O debate político acaba ‘povoado’ por propostas que reforçam os problemas, devido à própria maneira pela qual os pensam ou colocam. Propõem-se os próprios modelos neoliberais ‘purificados’ de suas limitações ou desvios, a reconstrução do Estado de bem-estar ou a constituição de um público não estatal fundado em comunidades autônomas. Críticas ao neoliberalismo que acabam por revigorar conceitos e formas jurídicas problemáticos e insuficientes para os desafios presentes.
O movimento da crítica deve olhar o presente com um enfoque que não minimize os efeitos das modalidades de governo existentes, dando todo o peso aos efeitos efetivos da sua operação; que dê um passo além para praticar o ensaio de vislumbrar e imaginar novas possibilidades; que dê outro passo para tomar em todo o seu peso a contingência histórica das configurações atuais e analisar as forças que estiveram na gênese dos modelos criticados. Que se projete para outros espaços e experiências sociais…
Isso exige formação intelectual, experiência e atenção ao mundo, compromisso prático e teórico. Pedro é da estirpe dos não conformistas com o direito existente, dos que se engajam na promoção do comum, no apoio às lutas populares e na confrontação com os efeitos sociais de exclusão, dominação e exploração promovidos ou associados pelas práticas dominantes do direito. Ele é daqueles estudiosos que partem em diáspora das faculdades de direito, em busca de outras experiências intelectuais e existenciais que lhes permitam a compreensão ampla necessária a um engajamento ainda mais ativo e comprometido com a transformação do direito e da sociedade.
O livro, agraciado como melhor tese de doutorado pelo Concurso “Reginaldo Carmelo de Moraes” de Inovação em Pesquisas sobre Políticas do PPGCP-IFCH/Unicamp, responde com esmero aos desafios da crítica política do direito ao governo ambiental na atualidade. Tive a satisfação intelectual de orientar a pesquisa e considero um privilégio pessoal e profissional continuarmos a trabalhar juntos em parcerias e projetos coletivos.
[1] Pedro Henrique Vasques é Doutor em Ciência Política pela Unicamp e em Direito pela UERJ, Professor na UFRJ, Pesquisador do INCT-INEU, do Ceipoc/Unicamp, do Nupij/UFF e membro do Conselho Diretor do Cedec.
Fonte Imagética: Capa do livro “O governo ambiental no Brasil: uma análise a partir dos processos de avaliação de impacto ambiental”, de Pedro Henrique Ramos Prado Vasques (Unicamp, 2023). Disponível em <https://www.ifch.unicamp.br/publicacoes/pub/livros/2326>. Acesso em 02 out 2023.