A defesa do Estado de direito e os limites da liberdade de expressão: o que o caso Assange pode nos ensinar sobre o 8 de janeiro?

Por Eduardo Lasmar Prado Lopes, Mariane Costa Matos e Robson Vitor Freitas Reis. Recentemente, o caso de Julian Assange tem sido novamente objeto de atenção e discussão. Assange, um programador australiano, tornou-se uma figura central na discussão sobre o direito de acesso à informação e à divulgação de documentos confidenciais, muitas vezes em detrimento das políticas de sigilo governamentais. Para nós, os desdobramentos recentes de seu julgamento se mostram uma excelente oportunidade de discutirmos um pouco as controvérsias inerentes ao direito à liberdade de expressão. Nessa perspectiva, o texto busca avaliar o recente caso brasileiro, onde a liberdade de expressão ameaçou a higidez do Estado de direito, para refletir sobre a inescapável necessidade de equilibrar esses direitos fundamentais em uma sociedade democrática.
Existe uma mudança nas prioridades de atuação do Ministério Público brasileiro nas últimas décadas?

Por Bruno Lamenha. O empoderamento do sistema de justiça e de suas capacidades institucionais, especialmente no que diz respeito à ampla capacidade de intervenção na implementação de direitos fundamentais e na estruturação de políticas públicas, é uma das principais características do projeto jurídico-político encartado pela Constituição de 1988. Há variados elementos e sentidos que podem ser extraídos desse fenômeno. Por exemplo, trabalhos como o de Almeida (2010) identificam, nesse momento histórico particular, o ponto de chegada de um longo processo de profissionalização das carreiras jurídicas nacionais iniciado com o fim da República Velha. Outros, como Koerner (2018, p. 307), propõem que o cenário acima descrito evidenciou uma aposta dos poderes políticos em sentido estrito no sistema de justiça e na expertise profissional dos juristas como ativo relevante na estabilidade institucional da nascente Nova República.
Prudência política: das origens aos golpes de Estado

Por Eugênio Mattioli Gonçalves. Interessado no problema da razão de Estado, desenvolvi durante minha pesquisa de mestrado uma investigação sobre um de seus principais representantes: Gabriel Naudé. Frequentemente identificado como um dos maiores nomes da razão de Estado francesa do séc. XVII, o libertino é responsável por uma ‘teoria dos golpes de Estado’, que autoriza ao soberano mesmo as ações políticas mais extremas, sempre que este julgar necessário. Descumprir a lei, mentir e assassinar, diz o escritor, são escolhas legítimas por parte do príncipe quando este tiver como fim a proteção de seu Estado e de seu próprio poder. Assim, Naudé tece um longo elogio a episódios como a matança perpetrada por Carlos IX no Massacre de São Bartolomeu, justificando-a como uma ação “muito justa e muito notável” (Naudé, 1993, p. 110) para todo o país.
Combate à desigualdade e justiça social: a proposta brasileira de tributação global no G20 Financeiro

Por Marina Bolfarine Caixeta e Roberto Goulart Menezes. Desde a década de 1980, a concentração de renda aumentou vertiginosamente no mundo. A última edição do Relatório da Desigualdade Mundial (Piketty et al, 2022), revela que a iniquidade global segue crescendo: os 10% mais ricos ficaram com 52% da renda e 76% da riqueza. Na parte de baixo da pirâmide, metade da população fica apenas com 2% da riqueza e 8,5% da renda. No Brasil, de acordo com a Oxfam (2017), a desigualdade de renda segue sendo brutal: seis brasileiros possuem a mesma renda que metade da população mais pobre do país. Portanto, é fundamental que a desigualdade seja politizada e tenha sido incluída pela presidência brasileira do G20 na agenda desse que se tornou desde a crise de 2008 o principal fórum de discussão das questões econômicas e financeiras.
A reorganização política do Executivo brasileiro nos âmbitos fundiário e agroalimentar e sua contribuição para a democracia

Por Gil Ramos de Carvalho Neto e Elisabete Maniglia. Este trabalho foi inicialmente apresentado no 27° Congresso Internacional de Ciência Política (IPSA), realizado em Buenos Aires-ARG, e faz parte do doutorado que está sendo realizado no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Franca. Seu objetivo é investigar se as principais medidas de interesse agroalimentar e fundiário adotadas de prontidão pelo terceiro governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contribuem para o retorno da institucionalidade democrática do Brasil.
Nós, os(as) desenvolvimentistas: homenagem à professora Maria da Conceição Tavares

Por Johnny Daniel M. Nogueira. O pensamento crítico e desenvolvimentista brasileiro e mundial perdeu, no dia 08 do mês de junho, uma de suas mentes mais brilhantes e criativas. Maria da Conceição Tavares é um nome que ressoa com força e respeito na academia e nos debates econômicos. Nós, sociólogos, cientistas políticos e, sobretudo, economistas, possuímos uma dívida imensurável com a sua contribuição ao pensamento e à produção acadêmica. Sua trajetória intelectual e profissional é testemunho de um compromisso inabalável com o desenvolvimento econômico do país e com a formação de gerações de economistas que carregam, ainda hoje, o ideal desenvolvimentista. Sua formação sólida em matemática e sua capacidade analítica a levaram a desenvolver um pensamento econômico robusto, que combinava rigor teórico com um profundo entendimento das realidades sociais e econômicas brasileiras.
Em 2026, a candidatura Bolsonaro talvez não seja um bom negócio para a direita

Por Ivo Coser. Houve uma série de fatos recentes que sinalizam para uma mudança no comportamento da nova direita brasileira. Os eventos se encadeiam fornecendo um sinal claro, a direita brasileira busca se aproximar do centro-direita e do centro político brasileiro. Cada um desses eventos possui um sinal dirigido para um grupo específico. Os eventos são vários, vejamos os mais significativos. O jantar oferecido pelo apresentador global Luciano Huck ao governador Tarcísio de Freitas em 17 de maio do ano corrente. O jantar oferecido por Tarcísio de Freitas ao presidente do Banco Central em 10 de junho de 2024. E o comício promovido pelos apoiadores de Jair Bolsonaro na Avenida Paulista, em fevereiro deste ano. O jantar oferecido por Luciano Huck indica um sinal de paz para um dos principais alvos da extrema direita brasileira, as organizações Globo. O jantar oferecido para o presidente do Banco Central estabelece um vínculo sólido com o capital financeiro. E, por último, no comício da Paulista, silêncio adotado pelo governador Tarcísio de Freitas para com o Supremo Tribunal Federal (STF).
Pensar Junho de 2013 e o Brasil com Clóvis Moura: o que foi e o que será?

Por Ygor Santos de Santana. Além dos vinte anos do falecimento de Clóvis Moura, 2023 também marcou os dez anos dos protestos de Junho de 2013 e vinte anos da primeira presidência petista. No texto que escrevi para a revista Confluências, teci conexões entre esses eventos, pelo fio do pensamento de Clóvis Moura. Discuto, como resumirei aqui, a contribuição moureana para complexificar as leituras sobre Junho de 2013 e o contexto atual, ao repor a centralidade da questão racial na formação econômica, política, social e histórica brasileira. Exploro a hipótese da limitação constitutiva nas análises sobre Junho de 2013, que não consideram o papel estruturante do racismo na formação social brasileira e, mais de perto, no acirramento dos conflitos que culminaram nos protestos de massa daquele ano. Para isso, mobilizo os conceitos moureanos de quilombagem e grupos diferenciados e específicos, como chaves interpretativas críticas de dados socioeconômicos do período de Junho de 2013 e das leituras que se fazem sobre os protestos. Concluo, então, que Junho de 2013 manifestou os limites de um projeto liberal de esquerda restrito a renegociar os mecanismos de barragem racial, nunca os superar, e que, dez anos depois, é retomado, ignorando as contradições que ali explodiram e que voltam a se avolumar.
Para Além da Politics: a Influência de grupos Evangélicos na Política de Segurança Pública

Por Ana Claudia Cortez e Rodrigo Duque Estrada Campos. O lugar da religião no espaço público brasileiro permanece um tema contestado e pouco compreendido. Movido não apenas por mudanças demográficas, mas também por articulações políticas da chamada Direita Cristã desde a redemocratização (Pierucci, 1987; Lacerda, 2019), o país vem testemunhando uma profunda inflexão nos últimos anos, colocando em xeque os pilares do que comumente entendemos por laicidade, isto é, a separação entre religião e esfera pública. No Brasil, as instituições religiosas possuem maior capacidade de mobilização social do que outras instituições de natureza associativa, como partidos ou sindicatos, e a população confia mais nas instituições religiosas e menos nas instituições do sistema democrático (Gonzáles et al., 2021). A eleição de Jair Bolsonaro em 2018, que reuniu uma plataforma de extrema-direita fortemente marcada pela mistura entre moralismo cristão, punitivismo e neoliberalismo, pode ser considerada um sintoma da capilaridade religiosa na política.
“Estuprador não é pai e criança não é mãe!”: o PL 1904/2024 e a cultura do estupro

Por Patricia Jimenez Rezende e Marília Gabrielle de Paula. “Não se mova, faça de conta que está morta” (Clarac; Bonnin, 1985 apud Pimentel et al., 1998, p. 55), dizia o pai de Viviane enquanto a violentava sexualmente. Também poderia ser o que nos dizem os 33 parlamentares que propuseram o PL 1904/24 enquanto violam os direitos de pessoas que gestam, mulheres e meninas de todo o Brasil. Apresentado em 17 de maio de 2024, o PL foi votado e aprovado pela Câmara dos Deputados a toque de caixa, neste 12 de junho, como de urgência. O que quer dizer que poderá ser votado diretamente no Plenário sem passar pelo crivo de Comissões temáticas, por exemplo.