Márcio Macedo[1]
27 de junho de 2025
São Paulo, dia 9 de junho de 2025. 11 horas da manhã. Estou em casa assistindo à CNN internacional, quando me deparo com uma imagem, colocada de fundo durante a fala de um jornalista, que poderia definir os protestos que tem acontecido em Los Angeles (LA ou “El Ei”) desde sábado passado. Um carro controlado por GPS da empresa Waymo queima em chamas, enquanto um garoto de feições latinas dá um “grau” (empina) na sua bike, passando ao lado do veículo destruído. A bicicleta versus o carro. A bicicleta, uma das contraculturas da modernidade, inspiro-me aqui em Paul Gilroy que por sua vez “sampleou” a ideia de Zygmunt Bauman, atacando ou tirando onda das lógicas de fascismo de mercado de forma criativa, festeira, arriscada e violenta.
Em outra foto, um jovem branco sem camisa e com uma indumentária estilo punk quebra o vidro de um carro com seu skate: punk e skate, outras duas contraculturas juvenis da modernidade capitalista. Fico curioso para saber a trilha sonora que a rapaziada vida loka de “El Ei”, a Cidade dos Anjos em espanhol, está ouvindo desde sábado: um bom punk negro a la Bad Brains ou gangsta rap bandidão dos anos 1990? Dirty South festeiro dos anos 2000 ou ainda o trap moderno criado nas traphouses (biqueiras) dos Estados Unidos? Os EUA vivem de fato uma “trap” (armadilha) na conjuntura atual, com um senhor de engenho moderno chamado Donald Trump no comando da nação, o “potus” como eles mesmo dizem na “Améfrica Ladina” lá de cima, parafraseando minha ancestral teórica Lélia Gonzalez.
Voltando à música, ainda haveria espaço para os ritmos caribenhos como soca, reggaeton, aquelas músicas caipiras dos mexicanos que esqueci o nome no momento (procurar no Google, lá vou eu dar dinheiro e atenção para o “TeCnoCu… CaPeTaLisMo”) e outras paradas vendidas como world music. Posteriormente um amigo me auxiliou com o nome do ritmo mexicano: corrido. Aliás, por minha pesquisa no Google soube que as letras de corrido narram eventos épicos e também os feitos de narcotraficantes e cartéis de drogas. Bem loko! Obrigado Mister Google por me tornar mais inteligente 🙂
Em outra foto vejo um jovem em uma moto modelo motocross vestindo boné, bandana que cobre o rosto e segurando uma bandeira do México tendo ao seu fundo viaturas policiais em formação. Susan Sontag dissecou a metáfora e nos ensina a desnaturalizar fotos, algo que tem se tornado extremamente difícil em um mundo mediado por telas em que o consumo de imagens é incessante, nos alerta Byung-Chul Han. Mas desculpe, Sontag! Nesse momento minha cultura pop vagabunda fala mais do que a teoria refinada que você sempre me oferece com prazer. Não paro de pensar no filme farofa “The Warriors” (1979), por aqui no Brasil “Selvagens da Noite”, no qual uma gangue auto-entitulada “guerreiros” e formada por negros, latinos e brancos é perseguida por toda a cidade de Nova York por outras gangues, na sua tentativa de cruzar a cidade de metrô saindo do extremo do Bronx para chegar em Coney Island, cruzando os distritos de Manhattan, Brooklyn e Queens. O filme dirigido por Walter Hill foi adaptado do livro de Sol Yurick. Em sua versão literária a gangue era originalmente negra e a perseguição fora inspirada em “Anabase: A Expedição dos Dez Mil”, a descrição de Xenofonte, um dos generais comandantes do retorno dos Dez Mil, nome pelo qual os mercenários gregos de Ciro eram conhecidos, que enfrentam batalhas no seu retorno de Cuxaca, onde se encontravam encurralados, até sua terra natal na Grécia. Yurick era filho de uma família russa de origem judia que havia emigrado para os Estados Unidos nos anos 1920 e se estabelecido em Nova York onde o autor nasceu e fez parte de círculos intelectuais e literários de esquerda.
Mas ainda estou interessado na trilha sonora que me faz pensar no título de um filme imaginário, “Burning cars e dando grau na bike”, se passando nas ruas de “El Ei”. Sinhozinho Trump já avisou na TV ontem que vai enviar a Guarda Nacional para resolver a treta. Era a brecha que o sistema queria, mano. Joel Kotkin, pesquisador da Universidade do Texas em Austin, escreveu um artigo recente afirmando que as revoltas de “El Ei” refletem uma falha nas lideranças progressistas da cidade. Pode ser. Mas elas são também uma resposta festiva, violenta, fragmentada, juvenil e estilizada de uma das cidades mais latinas dos Estados Unidos ao TecnoCuCaPeTaLisMo FaSciStA Global e às políticas de deportação de imigrantes do agente laranja. Bicicletas e skates versus Trump e ICE. Salve us vida loka do mundo!
Este texto não reflete necessariamente as opiniões do Boletim Lua Nova ou do CEDEC. Gosta do nosso trabalho? Apoie o Boletim Lua Nova!
[1] É doutor em Sociologia pela The New School for Social Research (NSSR), de Nova York. Atualmente é professor na Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo e escritor. Escreveu a seção “Sobre o autor” dos livros de James Baldwin publicados no Brasil pela Companhia das Letras e o posfácio do romance “Se a rua Beale falasse”. E-mail: macem969@newschool.edu
