Equipe Editorial do Boletim Lua Nova
Há diversos acontecimentos que marcam 2022. Primeiro, tratou-se de ano eleitoral. Os setores progressistas da sociedade brasileira experimentaram a expectativa de colocar fim ao período de enormes retrocessos políticos e sociais iniciado pela vitória de Jair Bolsonaro (então PSL, agora PP) em 2018 – ainda que suas principais diretrizes, principalmente econômicas, já estivessem presentes no ilegítimo governo de Michel Temer (MDB). Mas outros episódios também marcaram o ano, seja no âmbito da sociedade como um todo, seja no campo das ciências sociais brasileiras.
Esses acontecimentos reverberaram, de forma mais ou menos marcante, na linha editorial do Boletim Lua Nova (BLN) – que também completa seu primeiro ciclo eleitoral. Criado depois das eleições de 2018, o Boletim surge como diversificação editorial do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC), mas também diante o desafio de continuar a pensar a democracia brasileira, constantemente colocada em xeque. Apesar dos desafios, tanto em termos de ser uma atividade conduzida em sua maioria por pós-graduandas(os), quanto pelo próprio momento vivenciado, o ano de 2022 foi frutífero para o Boletim.
Assim, já em ritmo de fim de ano, desejamos fazer uma retrospectiva das publicações realizadas no blog. Incorremos no risco de não conseguir destacar todos os textos publicados (afinal, foram 115 neste ano), ou não dar conta da variedade deles. Todavia, esperamos relembrar alguns, percorrendo eventos que marcaram 2022.
Nos primeiros dois meses do ano se sobressaiu uma crise internacional de grande magnitude, materializada pela guerra russo-ucraniana. Em fevereiro, republicamos o texto de Robson Valdez (IREL/UnB) que analisou a posição dos Estados Unidos no conflito entre os dois países. Ainda tratando sobre relações internacionais, publicamos na sequência um texto de Letícia Rizzotti (San Tiago Dantas) que avaliou a despolitização dos direitos humanos e o papel do neoliberalismo nessa reconfiguração política.
Ainda na pauta de direitos humanos, mas no plano nacional, realizamos várias publicações alinhadas com as lutas sociais em curso e os acontecimentos recentes – desde o contexto local, como a luta das quebradeiras de coco babaçu no Maranhão, até temas mais amplos, como o tratamento do aborto como questão de saúde pública. Vale também trazer a memória de Bruno Pereira e Dom Phillips, assassinados em 2022, contemplada no texto de Leonardo Barros Soares (UFV) sobre o trabalho dos indigenistas brasileiros.
O Boletim também veiculou as iniciativas CEDEC, como o 1º Mapeamento da População Trans de São Paulo, que foi publicado no livro Transver o mundo. Em maio, promoveu um seminário sobre a obra recém lançada de Felipe Freller (DFil/UFSCar) intitulada Quando é preciso decidir: Benjamin Constant e o problema do arbítrio, e tornou público seu Acervo Digital, que reúne experiências e diagnósticos sobre a democracia constitucional brasileira e suas tendências críticas. Em outubro, em parceria com o Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic) e o coletivo USP pela Democracia, o Cedec promoveu o debate “As eleições de 2022 e a democracia”.
Seguimos ainda promovendo a divulgação científica de obras e artigos acadêmicos. A partir de março foram publicados trechos de quatro livros: A Luta contra o Terrorismo: os Estados Unidos e os amigos talibãs de Reginaldo Nasser; Debates Interdisciplinares sobre Direito e Direitos Humanos: impasses, riscos e desafios, organizado por Andrei Koerner, Paulo Endo e Carla Vreche; Quando é preciso decidir: Benjamin Constant e o problema do arbítrio, de Felipe Freller; e Amazônia no Século XXI: trajetórias , dilemas e perspectivas, editado por Antonio Augusto Ioris e Rafael Ioris.
Além disso, foram veiculadas sínteses de artigos publicados na revista Lua Nova. Entre mais de uma dezena de textos, temos Bruno Boti Bernardi (UFGD) analisando as tensões dos direitos humanos no México, com atenção ao caso Alvarado; Lucas Costa (FGV-EAESP/Cepesp) avaliando a capacidade do lobby em promover direitos progressistas a partir do caso da Constituição de 1988; Renato Francisquini (UFBA) questionando os fundamentos da legitimidade de uma decisão em uma democracia; Carolina Arouca (FIOCRUZ/FAPERJ) e Thiago Da Costa Lopes (FIOCRUZ) analisando a perspectiva sociológica de Carlos Alberto Medina sobre saúde e desenvolvimento no Brasil; além de Vladimir Puzone (UFRJ) avaliando alguns aspectos da abordagem da teoria crítica sobre o tema do fascismo. Também publicamos sínteses de textos premiados, como aqueles de pós-graduandas(os) que foram contemplados na premiação do VII Fórum Brasileiro de Pós-Graduação em Ciência Política, permitindo uma maior proximidade com pesquisas em andamento ou concluídas na pós-graduação.
Ainda, foi possível divulgar artigos de pesquisadoras(es) brasileiras(os) publicados em outras revistas, aumentando o diálogo e a variedade de temáticas. Tivemos, a título de exemplo, uma análise sobre os ataques aos direitos territoriais indígenas, o processo de transformação da pobreza em um problema financeiro, uma avaliação das origens intelectuais do fascismo, e várias outras pesquisas em ciências humanas com contribuições originais para a área.
O Boletim contou também com a publicação de séries de textos – desde a divisão de temas em partes, como a análise de Leonardo Belinelli (USP/CEDEC) de dois livros do economista e historiador Alexandre de Freitas Barbosa, à exploração de temas de levavam a mais de um texto, como o uso da inteligência artificial e suas implicações cotidianas, por Lutiana Barbosa (UFMG) e Gustavo Macedo (IEA/USP). Das séries, vale o destaque da coluna especial sobre as eleições de 2022 que, com contribuições de pesquisadoras(es) convidadas(os), permitiu uma análise diversificada do que estava em jogo no pleito. Foram 21 textos ao longo de 17 semanas, entre o início de julho e o final de outubro.
Além disso, destacamos também as publicações que endereçaram questões prementes, seja por uma resposta a um texto veiculado em jornal de grande circulação nacional, ou marcos políticos e culturais importantes, como foi a Semana de Arte Moderna – que completou 100 anos em 2022 -, a abolição da escravidão, e o dia para a erradicação da pobreza, estabelecido pela Organização das Nações Unidas há três décadas. Outro destaque deste ano foram duas entrevistas, realizadas com San Romanelli (IESP-UERJ) e Paulo Cassimiro (UERJ) e com Luiz Augusto Campos (IESP-UERJ), permitindo que perguntas como o caminho da teoria política no Brasil e o impacto das ações afirmativas fossem apresentadas e discutidas. Retomá-las em 2022 foi importante – afinal, há um retorno depois do período da pandemia, cujas marcas ainda se fazem presentes.
Em outras ocasiões o BLN trabalhou para reverberar iniciativas políticas importantes na atual conjuntura. Em setembro digulgamos o Manifesto contra o Desmonte das Políticas de Combate à Tortura no Brasil, publicado em evento realizado pelo Grupo de Pesquisa em Direitos Humanos, Democracia e Memória do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo em parceria com o CEDEC. Em novembro, tivemos a Carta de Apoio ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), circulada pelo Coletivo USP pela Democracia e subscrita pelo CEDEC. Membros do Centro também contribuíram com várias análises, seja sobre os principais fatos do governo Bolsonaro, seja sobre o comportamento negacionista do incumbente em relação ao resultado eleitoral. Também pudemos trazer a lembrança daqueles que nos deixaram, como foram as homenagens a Reginaldo Moraes, a Lindgren Alves e Cançado Trindade.
Talvez, 2023 possa ser um ano de retomada de questões. Parte essencial da atividade acadêmica, “colocar perguntas” é uma reafirmação do compromisso do Boletim Lua Nova, estabelecido depois das eleições de 2018. O primeiro editorial da Lua Nova, de 1984, já apresentava o desafio:
Pensar sobre a nossa própria ação nesse momento de rápidas mudanças: eis o desafio que se oferece, não apenas aos que se situam no campo da oposição ao atual regime brasileiro, como também a todos os que assumiram o compromisso de fazer nascer no Brasil uma sociedade nova. Essa reflexão tem de ser necessariamente aberta, ampla e democrática. Polêmica e criativa. Não queremos apresentar, apenas, os pontos de vista dos que acreditam que já têm soluções para os nossos problemas. Queremos uma revista capaz de afrontar a realidade a partir de uma reflexão plural, apoiada na diversidade de pontos de vista que formam a sociedade. (Pensar a democracia. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, v. 1, p. 05–05, jun. 1984. )
O contexto específico de 1984, e o período da redemocratização que lhe seguiu, dava a tônica desse editorial. Em 2018, ele é resgatado, considerando o novo contexto que vivíamos. A partir de 2023, retomamos uma vez mais esse desafio, da necessidade de uma reflexão aberta, ampla e democrática, polêmica e criativa. E convidamos a todas(os) a, juntas(os), pensar a democracia.